Aquela Pedra tinha que ser removida. Era uma pedra grande, talvez poderíamos chamar de pedregulho, quem sabe até um pedregão. Não importa como você a chame, o fato é que ela tinha que ser removida.
Por quê? Porque o governo, sabe-se lá se municipal, estadual, ou até federal, tinha decidido construir uma estrada entre os pontos A e B e a Pedra estava, literalmente falando, no meio do caminho.
Alguém sugeriu explodir a Pedra, mas o empreiteiro disse que ia ficar muito caro. A construção da estrada avançava a cada dia, e nada de se achar uma solução. A Pedra continuava lá, imóvel. Até que numa noite sem lua veio a Chuva. Uma verdadeira chuvarada, alguns diriam até um cataclismo.
E na manhã seguinte a Pedra não estava mais lá. Tinha rolado ravina abaixo, arrancado árvores, e caído no fundo de uma vale, destruindo algumas casas.
"Eu sei quando não sou querido em um lugar" teria dito a Pedra, se ela falasse.
Mas Pedras não falam.
Será que não?
— Henderson Bariani
Que em cada lasca
Me transforma minha casca
Cada ponta
Que eu afio, amedronta
Ontem fui uma parte de outra serra
Hoje só, é o vento que me erra
Contemplando a vida, eu já não mais corro
Nem vou vislumbrar se esse ano eu morro
Como outra vez, quando me vi sem horizonte
Perguntas assim, eu tinha um monte
Mas, deste solo, vejo grama que me atura
São cicatrizes, água mole, pele dura
Se me batem com força e a pancada me quebra
Eu guardo as marcas de memória em uma pedra
— Miguel Inácio
Subindo desde o pontão, os mochileiros deparam-se com a encosta íngreme e os centenários degraus que limitam o caminho único. Vislumbram uma cascata que chora ainda pelas pessoas que construíram esse caminho e levaram, saco a saco, as pedras que agora servem de abrigo aos fiéis. Do outro lado do precipício, um sorriso forçado esconde mal o desprezo da montanha pelos fugazes viajantes que sem fardo trepam agora ribanceira acima. As gaivotas que lhe ocupam a cremalheira guincham indiferentes à história, mas a montanha não esquece.