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Semana 37, 2025

Tema: Memória de pedra

Terça-feira

Guardiões de pedra sagrada, salário a definir

Uma mãe de santo disse pra minha esposa que não podíamos nos mudar desta casa. O propósito dela seria ser guardião da pedra e da sua memória.

Eu sempre vivi sem propósito e nem me ofereceram um mas esse não parece ruim. Hoje decidi que seria junto com ela guardiã da pedra auxiliário.

Acredito que a IA me deixe esse emprego no futuro.

— sl

Uma pedra

Eu vivia lá em cima, sabe? No interior, pressão e calor, como na criação do mundo. Esse morro era muito maior, uma montanha pesada desequilibrando o continente, e eu era quase o topo. Mas o vento é como é, vem e leva os parentes de grão em grão, numa dessas eu rolei e a areia me cobriu que eu fiquei no fofo e escuro por um tempo. Sem graça.

Aí veio a água, eu gosto de água, sou fã da água, líquido gás e sólido ao seu bel prazer, e traz parece que as ideias do mundo inteiro, ela não é só ela. A água foi lavando aquela areia e eu voltei a ver o sol, e aí eu entendi aqueles novos tentáculos no fundo eram madeira, raízes de plantas que subiam. Subiam da terra pra quê? Tem luz no solo também.

Um dia um homem bateu uma trilha com os pés e eu fiquei no meio. Um outro homem me viu e ficou encantado. Disse que eu era concreto e que iria escrever sobre mim.

Ontem a água veio de novo e me rolou mais pra baixo. Ela disse que não estou longe do mar, quero ver o mar.

— Kim

Quarta-feira

A pedra no meio do caminho

Aquela Pedra tinha que ser removida. Era uma pedra grande, talvez poderíamos chamar de pedregulho, quem sabe até um pedregão. Não importa como você a chame, o fato é que ela tinha que ser removida.

Por quê? Porque o governo, sabe-se lá se municipal, estadual, ou até federal, tinha decidido construir uma estrada entre os pontos A e B e a Pedra estava, literalmente falando, no meio do caminho.

Alguém sugeriu explodir a Pedra, mas o empreiteiro disse que ia ficar muito caro. A construção da estrada avançava a cada dia, e nada de se achar uma solução. A Pedra continuava lá, imóvel. Até que numa noite sem lua veio a Chuva. Uma verdadeira chuvarada, alguns diriam até um cataclismo.

E na manhã seguinte a Pedra não estava mais lá. Tinha rolado ravina abaixo, arrancado árvores, e caído no fundo de uma vale, destruindo algumas casas.

"Eu sei quando não sou querido em um lugar" teria dito a Pedra, se ela falasse.

Mas Pedras não falam.

Será que não?

— Henderson Bariani

Memória de pedra

Que em cada lasca
Me transforma minha casca
Cada ponta
Que eu afio, amedronta
Ontem fui uma parte de outra serra
Hoje só, é o vento que me erra
Contemplando a vida, eu já não mais corro
Nem vou vislumbrar se esse ano eu morro
Como outra vez, quando me vi sem horizonte
Perguntas assim, eu tinha um monte
Mas, deste solo, vejo grama que me atura
São cicatrizes, água mole, pele dura
Se me batem com força e a pancada me quebra
Eu guardo as marcas de memória em uma pedra

— Miguel Inácio

Subindo desde o pontão, os mochileiros deparam-se com a encosta íngreme e os centenários degraus que limitam o caminho único. Vislumbram uma cascata que chora ainda pelas pessoas que construíram esse caminho e levaram, saco a saco, as pedras que agora servem de abrigo aos fiéis. Do outro lado do precipício, um sorriso forçado esconde mal o desprezo da montanha pelos fugazes viajantes que sem fardo trepam agora ribanceira acima. As gaivotas que lhe ocupam a cremalheira guincham indiferentes à história, mas a montanha não esquece.
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